Ao criar experiências digitais ou físicas, é comum concentrar esforços em projetar o chamado happy path (a jornada perfeita), onde tudo ocorre conforme o esperado.
No entanto, na realidade, muitos usuários seguem por um caminho diferente: o unhappy path. Esse é o trajeto onde erros acontecem, decisões inesperadas são tomadas e a experiência planejada é desafiada.
Projetar para esse caminho não ideal não apenas melhora a resiliência da jornada como também reduz frustrações. Conforme explorado no livro Enviesados, de Rian Dutra, falhas de previsão e vieses cognitivos, como o otimismo ilusório ou a negligência de exceções, comprometem a qualidade da experiência quando o design ignora possíveis desvios. Prever e tratar essas falhas pode ser mais valioso do que apenas aprimorar fluxos ideais.
Por que o caminho não ideal merece prioridade
O happy path pode ser agradável, mas é facilmente esquecido. Já as experiências negativas marcam. Um pagamento bem-sucedido em um app de delivery é um evento rotineiro. Mas uma falha de processamento que atrasa a entrega fica gravada na memória. Por isso, o custo de um unhappy path mal projetado pode ser muito maior do que o investimento necessário para evitá-lo.
Além disso, quanto mais passos uma jornada possui, maior é o número de caminhos não ideais possíveis. Cada nova etapa representa novos riscos. Portanto, projetar desde o início com esses caminhos em mente é essencial para garantir a consistência da experiência.
Quatro estratégias de design para lidar com falhas na UX
1. Eliminar oportunidades para erros acontecerem
A primeira defesa contra experiências negativas é impedir que elas surjam. Algumas abordagens eficazes incluem:
- Preferências salvas: usar login com conta única (SSO), preenchimento automático de dados e ações baseadas em localização evita repetições desnecessárias e erros manuais;
- Níveis distintos de acesso: diferenciar permissões de leitura, comentário e edição em documentos colaborativos evita alterações não autorizadas;
- Design universal e padronização: remover variações desnecessárias, como tamanhos diferentes de parafusos em produtos de montagem, reduz a chance de montagem errada.
2. Corrigir automaticamente erros previsíveis
Muitos erros são tão comuns que podem ser previstos e tratados automaticamente:
- Aceitar variações de input: permitir diferentes formatos para números de telefone ou endereços em formulários reduz atrito;
- Redirecionamento de URLs incorretas: tratar erros de digitação em endereços e termos de busca ajuda o usuário a chegar ao destino certo;
- SEO e mídia paga com base em erros comuns: criar anúncios ou páginas otimizadas para palavras-chave frequentemente digitadas de forma errada ajuda na descoberta da marca.
3. Detectar comportamentos fora do padrão
Reconhecer desvios pode prevenir erros antes que eles causem problemas:
- Confirmação de ações não usuais: avisar o usuário ao tentar enviar um e-mail mencionando “anexo” sem incluir um;
- Verificação de dados incompletos: perguntar se deseja salvar o progresso antes de fechar um software ou confirmar grandes transações;
- Alinhar ao modelo mental do usuário: respeitar padrões aprendidos em outras plataformas para evitar confusão (como sugere a Lei de Jakob sobre UX na internet).
4. Tornar erros compreensíveis e corrigíveis
Mesmo com prevenção, erros acontecerão. O papel do design é facilitar sua resolução:
- Mensagens de erro informativas: em páginas 404, além de informar que a página não existe, indicar possíveis causas e caminhos úteis;
- Validação em tempo real de formulários: alertar sobre senhas fracas ou dados faltantes antes de enviar o formulário melhora a experiência;
- Funções de desfazer e restaurar: oferecer formas de corrigir ações evita que pequenos erros causem grandes frustrações.
Conclusão: projetar com base na realidade
O erro é parte inevitável da experiência humana. Por isso, projetar experiências robustas exige empatia, teste contínuo e foco no comportamento real dos usuários, não apenas no idealizado.
Assim, o UX Design mais eficaz é aquele que começa pelo que pode dar errado. Ao eliminar oportunidades para erros, antecipar falhas, responder rapidamente a desvios e fornecer ferramentas de recuperação, criamos experiências mais intuitivas, humanas e resilientes. O caminho ideal começa, paradoxalmente, pelo caminho não ideal.